domingo, 6 de outubro de 2013

Das navegações





para tatianna amaral
levantamos mais cedo, minha filha tatianna e eu. tomamos café na sala, enquanto assistíamos a um show da zizi possi no canal brasil.
a tata lembrou-se de que quando tinha seis anos de idade, foi apresentada a zizi por meu irmão, paulo. tratava-se de uma coletânea de canções, das quais ela aprendera a cantar, em especial, papel marché.
falou-me depois que a zizi meio que enveredou por caminhos não muito elegantes da música, capitulando diante das exigências do mercado.
foi quando a zizi cantou eu velejava em você, parte integrante da tal coletânea.
silenciamos.
não sei as razões do silenciar da tata, mas o meu foi provocado pelo conjunto melodia & letra, a despeito da qualidade da canção, e que me levaram a um tímido e disfarçado lacrimejar de olhos.
era uma canção que falava de amor, esse tema tão antigo quanto inesgotável. a mulher que canta pela voz de zizi diz, eu velejava em você / não finja! / como coisa que não me vê / e foge de mim... pra variar, trata-se de um relato do fim de uma relação que, enquanto durou e quanto pode resistir a si mesma, parece ter sido bem sucedida. daí o desejo de rememorá-la, mais que rememorá-la, de revivê-la, como clama a voz lá pelos meados da canção, minha alma cansada / não faz cerimônia / você pode entrar sem bater.
o verso eu velejava em você, um forma incomum de dizer o que ela sentia quando o amor era a pauta na relação a dois, não faz esforço nenhum em esconder a dimensão sensual em que tal amor também se espraiava. embora revele também que em tal relação, ela bem sabia, ou descobriu tarde demais, não cabia o mergulho com o aparato da ingenuidade, pois tal navegação deve prescindir, necessariamente, da tonta disponibilidade dos incautos. é sobre o mar, pois, que se navega, a sempre ingarantida terceira margem que só o território impermanente das águas pode oferecer.
e o que havia quando a coisa era? melhor, que era a coisa quando havia? era o ter e o não ter, o ser e o não ser, essa ilusão a que a paixão nos lança, fazendo com que corpo e alma se amalgamem de tal maneira, se confundam com tal avidez, a ponto de tomarmos uma substância pela outra, como se fossem a mesma coisa... e só tardiamente descobrimos que não são, que não eram, que nunca serão. conclusão a que ela chega, aliás, bem antes do fim, a boca tremia/os olhos ardiam / oh! doce agonia / oh! dor de viver / de ver sua imagem / que eu nunca via.
mas eis que, inevitavelmente, a relação, pelas razões mais diversas, sobretudo as irracionais, chega ao fim. ao que parece o seu par assim determinou o epílogo sem o ponto final. como o texto ficou ainda aberto para uma das partes, restou a ela escrever os próximos capítulos, porém, agora, sem o auxílio de uma outra mão sobre a sua, a rabiscar páginas em branco de bocas molhadas, de olhares assanhados, de convites para se perder. não, não mais. aliás, nunca saberemos, a canção termina antes que isso aconteça, restando apenas as improváveis conjeturas.
pasma consigo mesma, ela percebe que continua com as mãos vazias, pois aquilo que ela julgava que possuía, na realidade, nunca de fato pode reter nem por força, nem com delicadeza. descobre, por fim, que a matéria de coisas como amor provém da mesma substância intangível com a qual é produzida a ilusão, alterando-se apenas na composição de seus significantes e na profusão de seus significados. ambos, porém, estão condenados à mesma perplexidade, a do cego que, por um milagroso instante, divisa o que é do que não é, assim como ela, laconicamente, conclui a canção, mas, foi como sempre, um sonho / tão longe, risonho / sinto falta, / queria lhe ver...
 

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