No prólogo de A
invenção de Morel, obra de seu grande amigo Adolfo Bioy Casares, Jorge Luis
Borges empreende uma instigante discussão, tensionando as virtudes e os
defeitos do romance psicológico em relação ao romance de aventura ou de
peripécia.
Em primeiro lugar, ele apresenta o desdém de Stevenson
em relação ao romance de aventura ou peripécia, afirmando que um bom escritor
demonstra sua habilidade escrevendo um romance “sem argumento ou de argumento
infinitesimal”.
Borges exemplifica o romance psicológico, como sendo
um bom modelo para a boa narrativa apontada por Stevenson, pois ele “tende a
ser informe” e “tende a [uma] liberdade plena [que] acaba por equivaler à plena
desordem”. Enquanto que, o romance de aventura ou de peripécia, “é um objeto
artificial que não admite nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na
mera variedade sucessiva do Asno de ouro,
das sete viagens de Sinbad ou do Quixote
impõe-lhe um rigoroso argumento”.
O romance de Deonísio da Silva me fez pensar em tais
questões. As características evidenciadas por Stevenson como positivas sobejam
em Goethe e Barrabás, embora este
romance não possa ser considerado, stricto
sensu, como um romance psicológico, ainda que haja ali inúmeros lampejos
oníricos e mesmo acercados de um inevitável nonsense.
Às vezes parece um romance autobiográfico, bem
ocultado entre fatos e tramas; às vezes ele se quer como uma narrativa de
peripécia, mas falta-lhe a constância e o argumento que tanto Borges exige; às
vezes não quer nenhuma coisa nem outra, apenas tornar-se romance porque precisa
sê-lo, como sugere esse diálogo entre Barrabás e seu amigo Quarto-Crescente, já
no último capítulo:
“- E o que está escrito nele?
- Goethe e
Barrabás. É uma porção de historinhas, assim encordoadas umas, separadas
outras, tudo muito confuso, mas o assistente disse que é assim que é um
romance.” (p. 187).
(Novo Século)
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