Fiquei a meio caminho entre a perplexidade de ter lido
um tratado sobre o envelhecimento e o terno sentimento de ter lido uma história
de amor, embora anacrônica.
Mas, entre uma coisa e outra, prevaleceram a tristeza
e a resignação frente à inexorabilidade da passagem do tempo e da proximidade
da morte. Lembrei-me da belíssima Tempo e
Artista, de Chico Buarque: “Modelando o artista ao seu feitio/o tempo, com
seu lápis impreciso/Põe-lhe rugas ao redor da boca/Como contrapesos de um
sorriso”.
Ficou praticamente impossível, neste caso, separar
autor e narrador. Vi García Márquez, em seus últimos estertores como escritor,
a buscar, na tenra virgindade de Delgadina, uma possibilidade de sobrevida.
Tal sobrevida terá como marca limite de ocorrência a
página 127 de uma obra deliciosa. Depois, a eternidade, a cada novo polegar e
indicador a folheá-la.
“Uma de minhas lembranças mais felizes é o transtorno
que senti certa manhã, como aquela, ao sair da escola. O que está acontecendo
comigo? A professora me disse aparvalhada: Ai, menino, não está vendo que são
as brisas? Oitenta anos depois tornei a sentir tudo de novo quando despertei na
cama de Degaldina, e era mesmo dezembro que voltava pontual com seus céus
diáfanos, as tormentas de areia, os torvelinhos da rua que destelhavam a casa e
erguiam as saias das colegiais” (p. 83).
(Trad.
Eric Nepomuceno) (Record)
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