Recuso-me a pensar numa literatura feminina. Prefiro
pensar numa literatura com sotaque feminino. Na verdade, é mais que pensar
acerca disso, é ouvir quando se lê, assim como ocorreu com O amante, de M. Duras.
Inevitável não ouvir a voz (ou as vozes) da narradora
sussurrar em meus ouvidos. Mais que o sotaque: a força, ou melhor, a coragem,
melhor ainda, o destemor da mulher, na personagem de quinze anos e meio que,
mesmo ainda virgem, já toma as rédeas da relação com a palavra-ardil, com a
palavra-verdade, mais verdade que ardil, mais ardil que verdade, numa ironia
sincera a continuar a formar o homem.
Este, um personagem chinês, filho de um rico comerciante
da Indochina Francesa. Há também família: uma mãe enlouquecendo, um irmão mais
velho espalhando medo e ódio e um irmão menor a ser inutilmente protegido. A
dor, o gozo, a dor do gozo, o gozo da dor.
“E fala, diz que soube imediatamente, desde a
travessia do rio, que eu seria assim após meu primeiro amante, que eu amaria o
amor, diz que já sabe que eu o enganarei e que enganarei também todos os homens
com quem estiver. Diz que, quanto a si, ele foi instrumento de sua própria
desgraça” (p. 54).
(Trad. Denise Bottmann) (Cosac Naify)
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